Finalmente o Brasil entrou na onda dos tributos artísticos. Prática comum lá fora, esse tipo de trabalho tem retorno garantido juntos aos fãs, sejam os do homenageado ou daqueles que homenageiam. O Tributo a Cazuza, que gerou filhotes em CD ou DVD, é um exemplo bem acabado disso. Um dos próximos a sair, ainda neste segundo semestre, tem foco na história de um artista controvertido, Odair José. Seu diferencial é conseguir uma proeza ímpar aqui no país que é colocar lado a lado artistas tanto da cena independente, como os artistas que estão no manistream.
O selo independente Allegro Discos, do Goiânia, prepara uma coletânea chamada "Vou tirar você deste lugar". Serão 20 faixas com recriações dos grandes sucessos de Odair. O mainstream se faz representado por Zeca Baleiro (Eu, você e a praça), Pato Fu (Uma lágrima) e o titã Paulo Miklos (Vou tirar você desse lugar) e a recém-promovida Leela (E ninguém liga para mim).
A cena independente comparece com bandas de peso, entre outras, como o Columbia, que ficou com "Eu queria ser John Lennon" uma das faixas mais representativas da carreira de Odair. "Cotidiano nº 3" ficou a cargo Los Pirata. Há até espaço para um nome dos anos 80: Picassos Falsos, que regravaram "Essa noite você vai ter que ser minha".
Sandro Bello, idealizador da homenagem e proprietário da Allegro Discos, comemora esse casamento que ele jura não ser proposital: "Conseguimos com esse tributo unir dois mundos distantes, o alternativo e o mainstream que não costumam se comunicar no dia-a-dia". Segundo ele, a escolha das bandas se deveu a afinidades de estilo com o trabalho de Odair José. Prova disso, para Sandro, foi o convite ao Pato Fu. O guitarrista John diz ver claramente um grande valor genuíno em sua obra. E acrescenta: "Nossa participação não foi em tom de sátira. Muito já foi feito desse modo em cima dos artistas chamados ´bregas´ e acho que isso inclusive já perdeu a graça. Tentamos fazer algo à altura".
Mesmo quem não tem tanta identificação com a obra de Odair José passou a ter uma visão diferente de sua trajetória após participar desse projeto. É o caso de Paco Garcia, guitarrista do Los Piarata. "Eu não conhecia tanto os discos e me aprofundei mais na sua discografia. Tem coisas muito boas". "Cotidiano nº3", faixa que a banda vai defender, tem letra em espanhol. "Foi muito divertido para nós gravarmos essa canção", afirma.
Diferente do que foi notíciado, o tributo a Odair José não vai contar com aquela que seria a cereja do bolo: a regravação que o Los Hermanos fez para "Vou tirar você desse lugar". Apesar da boa receptividade que Marcelo Camelo e seus colegas tiveram à idéia, problemas burocráticos impediram a inclusão da faixa.
Odair José já ouviu as faixas que farâo parte da coletânea e deu sua aprovação. "Ele gostou de todas, mas não deixou de apontar um certo estranhamento com algumas mudanças de arranjo", diz Sandro. No total, foram 35 convites para depois se chegar as 20 faixas. Algumas bandas não puderam participar por não conseguirem arcar com os custos de estúdio, caso do Autoramas.
Toda a popularidade de Odair veio acompanhada de grande polêmica na época em que atuou mais ativamente. Ele foi um dos maiores vendedores de disco do país e ganhou o título de "Bob Dylan da Central do Brasil". Mesmo assim, ele sofria o preconceito de uma grande parcela da dita "elite cultural", que resumia seu trabalho aos adjetivos "brega" e "cafona".
Mesmo sob tanta contestação, as músicas de Odair José são consdieradas mais contestadoras e provocativas que grande parte da produção da MPB daquela época. Nenhum outro artistia falou de temas tabus, como a prostituição, drogas, adultério e outras coisas bem barra-pesada como ele, numa época em que o regime militar viva seu apogeu. A coletânea seria uma ótima chance de apresentar Odair e contextualizar seu trabalho a uma nova geração.
Essa é a versão não-editada da matéria sobre o tributo a Odair José que eu fiz para a sétima edição da revista Laboratório Pop, publicada em outubro. Ela foi adaptada depois para o tamanho que estava disponível. Posso estar enganado, mas acho que foi a primeira revista a falar desse projeto, que saiu no início desse ano. Até então, ele só era notícia em sites da Internet . Recebi hoje um mail de Sandro Bello no qual ele comemora o fato da primeira prensagem do tributo ter se esgotado, graças aos pedidos dos lojistas.
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